
Fulano
RESENHA: The true cost e a realidade por trás das roupas que usamos
Documentário mostra a triste realidade da indústria da moda

Por Letícia Alves
Qual o é o custo real de uma blusa que você normalmente compra na liquidação em uma loja de departamento?
Você sabe quantas mulheres em países ocidentais deixaram de ver seus filhos, correram riscos em estruturas condenadas, ficaram expostas a produtos químicos e receberam dois dólares ao dia, para que sua blusa favorita pudesse entrar na liquidação?

The True Cost (2015) é um documentário disponível na Netflix, que responde essas questões e vai além. Com duração de pouco mais de uma hora e meia, o diretor Andrew Morgan explora a indústria da moda, que mesmo sendo a segunda mais poluente, perdendo apenas para a indústria do petróleo, gera pouco debate acerca de seus impactos sociais, econômicos e ambientais.
A tendência das fábricas Têxteis
Logo em seu início o narrador do documentário anuncia que “esta é uma história, sobre as roupas que vestimos, as pessoas que fazem essas roupas, e sobre o impacto no nosso mundo”.
E você pode até mesmo se questionar que impacto seria este, pois, aos nossos olhos acostumados, o que vemos em relação a poluição está geralmente ligado à materiais derivados do petróleo, como plásticos e combustíveis. Mas durante o documentário notamos que a globalização e o sistema capitalista tem induzido o crescimento espantoso do consumo e do rápido descarte dos bens.
Esse é o caso da moda rápida que, para suprir as necessidades da produção globalizada, terceiriza o trabalho para países em desenvolvimento, onde os salários são extremamente baixos e não possuem reajuste. Quanto mais terceirizado, menor é preço do produto final.

O documentário nos leva até Daca, a capital de Bangladesh e nos mostra a realidade do trabalho em indústrias têxteis com relatos dos próprios trabalhadores. Segundo o proprietário de uma dessas fábricas, no ocidente as lojas competem entre si pelo menor preço, e consequentemente pressionam os produtores têxteis, que acabam perdendo seus compradores caso não cumpram com o preço solicitado.
Um desabamento é documentado no filme, e mostra como as indústrias são capazes de garantir o lucro, mas não conseguem garantir os direitos humanos essenciais de seus trabalhadores. No ano de 2013, um prédio chamado Rana Plaza desabou, matando 1127 trabalhadores da fábrica de vestuário, que fabricavam roupas para marcas como o Grupo Benetton, The Children's Place, Primark, Monsoon, DressBarn e H&M. Segundo relatos, os trabalhadores já haviam notado as rachaduras do antigo prédio, mas nada havia sido feito.

Há ainda, uma parcela de pessoas que acreditam neste sistema, alegando que o mesmo é benéfico, pois gera emprego em países subdesenvolvidos e torna as mercadorias acessíveis aos compradores.
Mas o documentário, através de muitos pontos de vista, desmonta essa visão utópica. Salários baixos, condições inseguras, tempos excessivos de jornada de trabalho e desastres nas fábricas são “perdoados” por conta dos empregos necessários criados para pessoas “sem alternativa”.
A moda da agricultura modificada
Além do efeito social, a moda rápida também apresenta um efeito crucial no ambiente. A produção em larga escala de tecidos, exige uma grande produção de matéria prima, como o algodão.
Mas a natureza possui a capacidade de se regenerar de danos em pequenas áreas e, desta forma, não consegue lidar com a ampla modificação que tem sofrido atualmente. O ciclo da agricultura em plantações como a do algodão é desestabilizado, e o solo é tratado como uma fábrica movida a agrotóxicos e produtos químicos de produção, causando impacto direto no meio ambiente.
O documentário também fala um pouco sobre a indústria de agrotóxicos, e cita a companhia de agricultura Monsanto com uma das principais responsáveis pela distribuição de agrotóxicos, fertilizantes e sementes modificadas.

Os agrotóxicos, além de contaminarem o ambiente, possuem efeito direto na saúdeda população. O contato direto, através da água ou do manuseio sem o devido cuidado causa defeitos congênitos, cânceres e doenças mentais. Um fato curioso apresentado durante o documentário, é o de que as mesmas empresas que vendem os agrotóxicos, também produzem remédios patenteados para o câncer. Tudo gira em torno do lucro, e como o próprio filme diz, até mesmo o câncer é lucrativo.

Liquidação do Meio Ambiente
Em 2015, ano em que o documentário foi produzido, este anunciava que 80 bilhões de peças de roupas eram produzidas, 400% a mais que 20 anos atrás. Com isso a quantidade de roupas em lixões tem aumentado nos últimos 10 anos.

A maior parte dessas roupas não são biodegradáveis, e permanecem em seus locais por 200 anos ou mais, liberando gases perigosos. Junto com o mercado da agricultura modificada, dos pesticidas e fertilizantes, o documentário mostra o desastroso e poluído futuro do ambiente.

A Promoção do desenvolvimento
Um dos pontos abordados do documentário, são meios da moda alternativos, que garante uma rede de comércio equitativo. É o objetivo do People Tree, criado por Safia Minney em Tóquio no Japão. Essa marca considera o desenvolvimento das mulheres, o desenvolvimento social de seus trabalhadores e o meio ambiente como algo absolutamente essencial para tudo que produzem. É uma forma de produzir, de maneira consciente, sem que isso inclua a destruição do meio.

Mesmo apresentando diversas faces de prejuízo, de nações afetadas pelo consumismo ocidental, o documentário termina com uma mensagem de esperança, com a marca do próprio diretor. Ele vê um futuro onde o sistema econômico não dite as regras do ambiente, das pessoas e da qualidade de vida. É algo a se questionar, mas cabe ao telespectador refletir sobre suas ações, sobre os custos de seus atos, não apenas na carteira, mas sobre o custo de uma rede inteira de destruição. Algumas blusas, muitas vezes, custam infâncias e vidas, algo que não se pode comprar na loja mais próxima.
Ficha técnica:
Data de lançamento: maio de 2015 (França)
Direção: Andrew Morgan
Música composta por: Duncan Blickenstaff
Produção: Michael Ross
Produção executiva: Livia Giuggioli, Lucy Siegle, Vincent Vittorio, Chris Harvey
Disponível para reprodução na Netflix Brasil.