Isabela Fernanda Mauricio de Oliveira
Testes em animais: quanto evoluímos até aqui?
As conquistas do veganismo e o que falta para que a testagem em laboratório deixe de ser uma realidade

Por Isabela Oliveira
Em abril deste ano, o curta-metragem "Save Ralph" teve grande repercussão nas redes sociais. A animação trata-se de uma campanha contra os testes em animais na indústria dos cosméticos, produzida pela Humane Society International. Até agora, ela já soma mais de 12 mil visualizações no YouTube. No curta, o coelho Ralph denuncia, de forma satírica, a realidade enfrentada pelas cobaias dentro dos laboratórios.
O vídeo gerou comoção nos internautas e reacendeu o debate sobre a necessidade dos testes em animais. Entretanto, essa discussão já existe há muito tempo. O tema é uma pauta importante dentro do veganismo, movimento que surgiu nos anos 1940 e luta contra todas as formas de exploração animal. Uma delas é a que implica no desenvolvimento de produtos de higiene e cosméticos testados em espécies como cachorros, gatos, ratos e coelhos, que frequentemente são realizados sem anestesia e terminam em eutanásia.

Foi por discordar da violência contra os animais que o cineasta Isaac Ribeiro, de 26 anos, se tornou vegano. Ele conta que adotou o estilo de vida em 2018, após dois anos de tentativas, e que tem notado um crescimento no movimento nos últimos cinco anos. “É comum encontrar várias pessoas conscientizadas sobre o assunto, assim como também é muito mais fácil encontrar em mercados, alimentos, cosméticos e produtos veganos”, afirma.
Conquistas
Apesar do longo caminho a percorrer, os defensores da causa animal ao redor do mundo já registram algumas vitórias. A criação de leis de proteção aos animais nas últimas décadas demonstra uma mudança na mentalidade do consumidor. Em 2013 a União Europeia aprovou o banimento da venda de produtos cosméticos e ingredientes testados em animais, além do marketing desses itens.
No Brasil, o estado de São Paulo foi o primeiro a impedir o procedimento. A Lei 15.316, de 2014, proíbe o uso de animais em testes de cosméticos, produtos de higiene pessoal, perfumes e seus componentes e seu não cumprimento prevê multa e suspensão do alvará de funcionamento do estabelecimento.
Atualmente, diversas marcas livres de crueldade animal estão disponíveis no mercado. Para facilitar a identificação dos produtos “liberados”, organizações de defesa dos animais desenvolveram selos de certificação que dividem os itens em categorias como “cruelty free” (em português, livre de crueldade) e “vegano”.

Além disso, ONGs como a norte-americana PETA (People For The Ethical Treatment of Animals) e a brasileira PEA (Projeto Esperança Animal) disponibilizam listas de marcas seguras para quem não quer consumir sofrimento animal.
Controvérsias
Enquanto o segundo maior mercado de cosméticos do mundo, a China é uma peça-chave na luta contra os testes em animais. Em maio deste ano, o país acabou com a obrigatoriedade do procedimento em produtos de “uso comum”, como shampoos, sabonetes e maquiagens. A decisão faz parte de uma série de flexibilizações na legislação chinesa que teve início em 2014, mas não abrange itens considerados de “uso especial”, como tintas de cabelo e protetores solares, por exemplo.
Sobre a continuidade do procedimento na indústria cosmética, a Associação Brasileira de Veganismo é categórica em afirmar que estes acontecem por tradição. “Testes em animais persistem por hábito, profissionais desatualizados e desinformados, legislação ultrapassada e até mesmo por uma rede de venda de animais”, declara a organização.
Além da beleza
Apesar dos avanços no mundo da beleza, os testes em animais estão longe de terem um fim em outras áreas, como na medicina. Dentro das universidades, o desenvolvimento de pesquisas realizadas com eles é uma realidade difícil de ser mudada.
A estudante de biomedicina e pesquisadora Débora Gonçalves, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica que a utilização dos animais parte da necessidade de organismos vivos que simulem o funcionamento do organismo humano.
Débora ainda informa que outros métodos existem, mas que esbarram na falta de investimento na ciência.
“A criação de linhagens animais geneticamente modificadas é uma das formas de substituição, pois essa tecnologia permite modelos mais fiéis e dessa forma se reduz o número de animais utilizados. Quando há outras alternativas validadas que permitam substituí-los, é ideal que se utilize. A barreira nesse caso, é o investimento na área da pesquisa”, relata.

Já na Psicologia, o professor Dr. Fábio Leyser, da Faculdade de Ciências da Unesp de Bauru, explica que o uso de cobaias não humanas é necessário para compreender as diferenças entre as espécies. “É fundamental entendermos como os processos comportamentais evoluíram ao longo da diferenciação das espécies, o que só é possível comparando o comportamento de várias espécies tanto em ambiente natural, quanto em laboratório”, afirma.
É importante lembrar que os testes seguem o princípio bioético dos 3 Rs, desenvolvido em 1959 pelos pesquisadores W. M. S. Russell e R. L. Burch, que significam redução, refinamento e substituição. O princípio busca reduzir a quantidade de cobaias utilizadas, bem como melhorar as condições das pesquisas e desenvolver modelos que possibilitem a substituição dos cobaias.
No Brasil, a regulamentação do uso de animais para ensino e pesquisa científica é responsabilidade do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea) e passa por aprovação da Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA).
Revisão: Isabele Scavassa e Maria Eduarda Vieira
Edição: Maria Eduarda Vieira